Em algum momento me perguntaram quais foram os mitos que se quebraram na minha cabeça depois de vir para Portugal. E eu não consegui responder, porque a verdade é que os mitos que foram quebrados pra mim foram os bons. Não é que eu não goste de Portugal, é só que eu gostava mais de longe. Como qualquer coisa e qualquer parente. De longe não se vê defeito. E os que se veem são facilmente contrabalanceados com uma qualidade, porque de longe somos racionais o suficiente para isso.
De perto, o cenário muda, os problemas machucam e encobrem as coisas boas. De perto estamos tão envolvidos no que dói que é difícil ver o belo. Eu conheci Lisboa enquanto não morava aqui, ou ao menos conheci a cidade, a arquitetura, o Tejo, os museus, todas as coisas belas e turísticas.
Um dos mitos que foi quebrado pra mim foi o de que a educação em Portugal é muito melhor do que no Brasil. É claro que o meu referencial está viciado, eu estudei em várias escolas diferentes, mas a maioria delas foi particular. E estive dois anos na UFSC antes de vir pra cá. Mas se o comparativo deve ser justo, eu saí da melhor faculdade de Jornalismo do Brasil (segundo o MEC) pra melhor faculdade de Comunicação de Portugal. E eu me arrependi muitas vezes, pelo ensino em si, não pela experiência.
Há muitas coisas de errado, na UFSC e na UNL. Uma porque mexe com o psicológico de uma forma pesada e a outra porque simplesmente não ensina. O que é melhor? O ideal do jornalista fodido da cabeça, mas um bom profissional, ou a ilusão absurda de que os estudantes vão conseguir, sem apoio e preparo, ligarem a teoria à prática?
Na UFSC eu dificilmente ouvi dizerem “mas isso não serve pra nada!”, mas vi muito esgotamento emocional. Aqui ouvi muitos “isso não serve pra nada” e vi muito despreparo profissional mesmo. Eu sinceramente não soube escolher, uni os dois. A preparação prática e profissional que eu tive na UFSC e a preparação teórica que eu tive na UNL, mas eu tive sorte, é difícil usar a teoria sem saber a prática. E o contrário também. Eu só entendi que tudo aquilo que parecia sem sentido servia pra alguma coisa porque antes eu já tinha feito aquela alguma coisa.
Se eu tivesse só estudado aqui eu não me sentiria preparada pra encarar um trabalho. Há claro, os estágios, longos e não remunerados, para aprender. E talvez seja por isso que os estudantes se disponibilizam a fazer um trabalho sem qualquer ajuda de custo - nem pro cafézinho. Acho errado na mesma, mas isso sou eu.
Estudar em Portugal pra mim foi frustrante, porque eu esperava outra coisa. A minha turma tinha mais de 100 alunos, isso já é um fator que complica as coisas. Como pode um professor dar atenção devida a 100 alunos? Por isso talvez hajam disciplinas em que a avaliação é só uma prova por semestre. E por isso não dá para haver participação de fato em aula, simplesmente não dá, não há tempo.
Das partes boas de estudar em Portugal posso dizer que é incentivado saber inglês, que as instalações são boas e o material é de qualidade. Eu aprendi muitas coisas estudando em Lisboa,mas eu não sei quantas delas foram na faculdade.
Mas isso é, claro, a minha perspectiva, do curso onde eu estive e do comparativo do curso no Brasil. É completamente provável que outros cursos em Portugal não sejam assim, ou outras faculdades.
Em Ciências da Comunicação na FCSH os alunos criaram uma rede de apoio própria, e isso de certa forma é ótimo. Os alunos estão determinados a passar e a ajudar os colegas a passar. Mas não a aprender de fato, porque não se vê pra que aquele conhecimento vai servir, que não para o diploma. Os professores são os professores, congelados na sua função mal cumprida. Não são acessíveis e não são mais que suas funções.
Os professores que dão boas aulas também são aqueles que ninguém quer ter aula, porque eles reprovam todo mundo. Isso dificulta um pouco as coisas, eu gosto de boas aulas, mas também gosto de ser aprovada nelas.
As faculdades públicas em Portugal são pagas, pra mim, é uma das razões pelas quais o ensino não é tão bom. Com mais alunos pagantes (mesmo que seja só uma parte do custo), mais pessoas eles querem enfiar nas turmas e turmas maiores resultam em aulas piores.
Eu pedi equivalência de várias disciplinas que fiz um Brasil e eu consegui, com isso não tive grandes problemas, mas minha nota foi baixada em todas elas. Porque institucionalmente, veja bem, é uma espécie de lei da faculdade, notas que vem do Brasil não valem o mesmo. Porque eles institucionalizaram que o ensino no Brasil é pior, que as notas alcançadas no Brasil não valem o mesmo que as notas aqui.
Bem, esse é um relato e não pode deixar de o ser. É o testemunho da minha experiência e não tem pretensão alguma de ser qualquer outra coisa. É completamente válido e provável que hajam outras experiências que contrariem a minha. E eu até torço para que existam.
A minha experiência com estudar em Portugal não é a melhor, mas eu não me arrependo pelo conjunto de tudo. Eu cresci muito vindo pra cá, só que crescer é sempre difícil, né? Eu gosto daqui e gosto de ter estudado na Universidade Nova de Lisboa. Eu só não posso dizer que é tudo lindo e maravilhoso, porque não é. E eu não quero incentivar ninguém a dar um passo em falso e se meter em algo que talvez fosse melhor não. Tudo depende das suas opções. Com as que eu tinha, acho hoje que eu deveria ter terminado o curso na UFSC e depois saído pra viajar ou fazer um mestrado fora.
Mas também é algo complicado de se dizer, eu não estava no meu melhor estado emocional e não sei se ficando eu teria conseguido me formar. Talvez eu só entrasse em colapso mais cedo e não conseguisse, porque Jornalismo na UFSC pra mim foi muito difícil psicologicamente.
É inútil ficar imaginando o que teria acontecido se o que foi não fosse. Eu gosto de onde eu estou agora e do que vem pela frente.